terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Todos nós

(Gijs Andriessen – Juca Filho)

 ...
Meninas lindas do Afeganistão
Crianças numa praia do Japão
O tai-chi nas praças de Pequim.

Chorando o coração da África
Na vibração dos filhos de Xangô
Cantando a esperança e não a dor.

No fundo todos os deuses são iguais
As línguas e as religiões
Se encontram no bater dos corações.

O povo do planeta somos nós
Vivendo junto mais uma vez
E na verdade nunca estamos sós

No fundo todos os homens são iguais.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Período de matrícula



O período de matrícula de alunos regulares, que não estão com matrícula trancada, compreende 3 etapas consecutivas, recomendando-se que os alunos consultem previamente o orientador sobre a escolha das disciplinas:


Pré-Matrícula do aluno
20/01/2014 a 02/02/2014

Aval do orientador
03/02/2014 a 09/02/2014

Deferimento do ministrante
10/02/2014 a 16/02/2014 



Nota: Os períodos iniciam-se à 0h00min e encerram-se às 23h59min no horário de Brasília. 


- Pré-matrícula do aluno: período para os alunos efetuarem suas pré-matrículas em disciplinas ou sua matrícula de acompanhamento, sendo a matrícula de acompanhamento obrigatória para o aluno que não se matricular em nenhuma disciplina. Toda ação confirmada pelo aluno, neste Sistema, gera um e-mail a si próprio como comprovante da ação executada;

- Aval do orientador: período para os orientadores avalizarem as pré-matrículas em disciplinas e aceitarem as matrículas de acompanhamento de seus orientandos. A pré-matrícula em disciplina ou solicitação de matrícula de acompanhamento não apreciada pelo respectivo orientador, neste prazo, será automaticamente aceita;

- Deferimento do ministrante: período para os ministrantes de disciplina deferirem as pré-matrículas avalizadas pelos orientadores. A pré-matrícula, avalizada pelo orientador, que não receber manifestação do ministrante da disciplina será automaticamente aceita.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Palestras e diálogos


Dia 29 de novembro, sexta-feira, a coordenação do Doutorado Interinstitucional (Dinter) em História Social USP – UFAC estará promovendo uma palestra proferida pelo Prof. Dr. Marcos Silva (FFLCH/USP) com o tema: Problemas da História Pública e convida os doutorandos, os graduandos do curso de História e a comunidade acadêmica para a participar deste evento. Na oportunidade haverá o lançamento dos livros: História: que ensino é esse? e Câmara Cascudo, Dona Nazaré de Souza & Cia.




- Sobre os livros -

História: que ensino é esse? 

Esse livro reúne experiências no ensino de história e interpretações sobre seus desdobramentos. A cada ano, novos professores de história se formam, estabelecendo elos entre universidade e cultura escolar. Os estudantes, que chegam à escola com as noções de cultura histórica vigentes na sociedade onde vivem, devem desenvolver sua capacidade de articulação entre as disciplinas que estudam e a vida extraescolar para a compreensão crítica do mundo. Com esse objetivo, professores e alunos realizam um trabalho com o conceito de tempo histórico que procura superar o "eterno presente", entendendo as relações sociais que configuram o mundo já construído e em devir. Sem uma compreensão reflexiva do tempo histórico, passado, presente e futuro se confundem. O debate sobre esses fazeres é uma necessidade permanente, aqui configurada em múltiplas perspectivas.

Câmara Cascudo, Dona Nazaré de Souza & Cia
.
Cascudo, mãos dadas com Dona Nazaré de Souza, calça as andanças culturais de Marco Silva em Natal. Natal do passado é presente, a cidade, a paisagem, a História, os escritores, a prosa de ficção, a poesia, o ensaio; a pintura, as exposições, as festas do povo, a produção dos professores na Universidade ficam conosco, orquestrados por Marco Silva. Auta de Souza, Jorge Fernandes louvado por Mário de Andrade, Luís da Câmara Cascudo, Zila Mamede interlocutora epistolar de Drummond, Lei Leandro de Castro, Tarcísio Gurgel, Verissimo de Melo, Hermenegildo de Araújo, Constância Lima Duarte e Diva Pereira de Macedo, Newton Navarro, Dorian Gray Caldas, Onofre Jr. (impossível citar todos) formam para nós leitores, um belo rancho em que brilha, estrelas matutina, Dona Nazaré de Souza.
Telê Ancona Lopez (USP)
  
Quem é Marcos Silva?



Marcos Silva é ensaísta e professor titular do departamento de História da Universidade de São Paulo. Graduou-se em História pela Universidade de São Paulo (1976) e em Artes Plásticas pela Faculdade Santa Marcelina (1999), com Mestrado em História Social pela FFLCH/USP (1981) e Doutorado nas mesmas área e instituição (1987). Fez Pós-Doutorado na Université de Paris III, em 1989. Tem experiência de pesquisa e docência na área de História, com ênfase em Teoria e Metodologia, atuando principalmente nos seguintes temas: Brasil republica, Caricaturas, História e linguagem, História e região, Ditadura civil-militar, Câmara Cascudo, Nelson Werneck Sodré e Ensino de História. Publicou individualmente 6 livros, dentre os quais, “Prazer e poder do Amigo da Onça” (Paz e Terra, 1989). Organizou 8 coletâneas, e uma delas é “Dicionário crítico Câmara Cascudo” (Perspectiva, 2003), outras obras de Marcos Silva: Ver história: o ensino vai aos filmes (Hucitec, 2011), Rimbuad etc.: história e poesia (Hucitec, 2011), Clarões da Tela: o cinema dentro de nós (Edufrn, 2006), Metamorfoses das linguagens: Histórias, Cinemas, Literaturas. (LCTE, 2009), Brasil, 1964/1968: a ditadura já era ditadura (LCTE, 2006). Tem no prelo o ensaio “Detrito federal - O vômito e o silenciamento de Lucrécio Barba de Bode” (a ser publicado em Lisboa e São Paulo, na coletânea “República: Itália/Portugal/Brasil”, organizada por Maria Luiza Tucci Carneiro et al.). Divulgou artigos e resenhas em periódicos como “História & Perspectivas”, “Projeto História”, “Quípu”, “Revista Brasileira de História”, “Revista de História”, “Tempo” e “Vária História”, dentre outras. Atualmente, é o coordenador do Programa de doutoramento interinstitucional em História Social convênio USP/Ufac. 

terça-feira, 26 de novembro de 2013

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Palestra do Prof. Dr. Marcos Silva (FFLCH/USP) - Tema: Problemas da História Pública


USP / UFAC
Coordenação Dinter USP/UFAC
Programa de Pós-Graduação em História Social da FFLCH/USP


A coordenação do Doutorado Interinstitucional (Dinter) em História Social USP – UFAC convida os doutorandos, os graduandos do curso de História e a comunidade acadêmica para a palestra a ser proferida pelo Prof. Dr. Marcos Silva (FFLCH/USP) com o tema: Problemas da História Pública na Sala Ambiente de Letras da Universidade Federal do Acre. Na oportunidade haverá o lançamento dos livros: “História: que ensino é esse? e Câmara Cascudo, Dona Nazaré de Souza & Cia.


domingo, 17 de março de 2013

A expedição


A expedição


Fazer cinema é mostrar o lado bom da vida. (Laurêncio Lopes – cineasta acreano)

Você sabia que já tivemos acreanos de cinema? Pois no início dos anos de 1970 um grupo de jovens produziu cinema na cidade de Rio Branco. Pode parecer banal saber disso hoje em dia quando o Acre encontra-se totalmente integrado ao resto do país, seja por terra, pelos rios ou pelo ar. Atualmente temos internet, emissoras de rádio e televisão que transmitem informações em tempo real, durante as 24 horas do dia. Contudo, nem sempre foi assim.

Laurêncio Lopes na Praça Plácido de Castro com amigos: década de 1970
Na década de 1970 o Acre era um Estado isolado. A única Rodovia que ligava os acreanos ao resto do país passava metade do ano intrafegável, por conta dos rigores do clima amazônico. Apesar da distância do centro-sul, em Rio Branco havia um rico movimento cultural. Teatro, Festivais de Música, notícias e radionovelas pelas ondas das Rádios Novo Andirá e Difusora Acreana, além de cinemas: cine Acre, cine Rio Branco e cine Teatro Recreio.

É neste cenário efervescente que no dia 16 de março de 1973, no salão paroquial da antiga Igreja de São Sebastião, os jovens João Batista Marques de Assunção (Teixerinha do Acre), Antônio Dourado de Souza, Antônio Evangelista de Araújo (Tonivan), Adalberto Queiroz de Melo, Raimundo Ferreira de Souza e Ozenira Cabral de Brito criaram o Grupo ECAJA FILMES (Estúdio Cinematográfico Amador de Jovens Acreanos).

Entre estes pioneiros do cinema, destaco Laurêncio Lopes da Silva que passou parte de sua juventude no Pará, na cidade de Alenquer e outra parte em Manaus, retornando à Sena Madureira em meados da década de 1970, sempre morando com seus pais. Os motivos destas peregrinações eram as dificuldades financeiras e, no caso da mudança em definitivo para Rio Branco, a causa foi a grande cheia do Rio Iaco em 1971. Uma ironia: em um Estado marcado pelo povoamento de nordestinos fugindo da seca, Laurêncio Lopes e sua família fogem das águas, chegando a Rio Branco, com apenas treze anos idade.

Em Rio Branco, sem emprego, Laurêncio resolve engraxar sapatos. Ficava na Praça e sempre que podia, via os cartazes do cine Rio Branco. Mesmo com alguma dificuldades de leitura anotava os nomes dos atores dos filmes exibidos nos cartazes, dos artistas, "como agente costumava a falar na época", diz Laurêncio Lopes, que ainda ressalta: "eu virei um fanático do cinema, e sempre empolgado comentava com meus colegas: um dia eu vou ser ator! Um dia eu vou ser artista! Um dia eu vou me ver na tela! Os coleguinhas riam dessa pretensão, afinal, eu era apenas engraxate".

Certo dia passando em frente ao Palácio Rio Branco – Sede do Governo do Estado, isso já no ano de 1974, onde estava sendo exibido em praça pública, o filme Rosinha, a rainha do Sertão, Laurêncio puxa sua caixa de engraxar sapatos, senta-se e começa a assistir atentamente a projeção. Ao terminar, direcionou seu olhar inicialmente para a tela e logo após para uns jovens que estavam ao lado ficando, conforme relatou, intrigado: "Eu achava muito parecido com os rapazes que estavam no filme, olhava pro Tonivam, olhava pro Teixeirinha, olhava pro Adalberto, mas não os conhecia na época. Fiquei olhando – rapaz, esses caras parecem com esses homens que está (sic) no filme" (Lopes, 2000). Resolve então falar com aqueles rapazes e percebe que eram realmente os "homens da tela". Além disso, também descobre que o filme que acabara de assistir tinha sido produzido no Acre. Sua reação foi imediata: "eu estou realizado, eu vou fazer filme"! Começou a partir daquele momento a participar das reuniões do Grupo Ecaja que ocorriam aos sábados no Colégio Acreano, na esperança de ser escolhido para atuar em um das produções do Grupo, o que ocorreria em meados de 1977, com a aprovação do roteiro do filme Gatinhas e gatões, que não chegou a ser concluído. Contudo, o debute de Laurêncio no cinema acontecera.

Laurêncio produziu vários filmes, mas, entre as suas obras, uma merece destaque: "A expedição", que difere dos demais devido as suas características originais, a começar pelo tempo de sua produção, que é digno de nota: apenas quinze dias entre roteiro, ensaios, gravação e edição. Tudo teria começado com o pedido de um amigo que desejava dar para sua filha, que fazia aniversário, um presente diferente: um filme. Laurêncio, que se encontrava deitado em sua rede ao ouvir a curiosa proposta do amigo não titubeou e imediatamente se dispôs a montar o roteiro. O argumento se baseava na história de uma expedição que visava caçar um monstro que vivia na mata apavorando e devorando as pessoas. O roteiro ficou pronto em três dias e logo começaram os ensaios que duraram apenas uma semana.

Cena do Filme Gatinhas e gatões, 1977


O principal desafio do filme seria fazer a maquiagem do ator que iria interpretar o monstro e na falta de material apropriado para fazer este make-up , Laurêncio, que já tinha uma boa experiência na arte do improviso aprendido no Ecaja Filmes, não se intimidou diante do novo desafio: "Nós fomos nos (sic) salões de beleza de Rio Branco na época. O personagem, nós nem sabíamos o que era. Vamos criar tipo, um Mapinguari, um macaco, um negócio que come todo o pessoal. Mais ou menos assim. Um Mapinguari. Só que nunca vi um Mapinguari em minha vida. [...] Vou fazer um Mapinguari, um negócio diferente aqui. Um bicho que ta lá no mato, escondido e vai atacar as pessoas. Então eu fiz um homem, cabeludo, os cabelos da cabeça longo, todo peludo. Eu encomendei alguns sacos de cabelos de salão. Todo salão que cortava cabelo eu pedia para guardar e guardamos vários sacos de cabelo". (LOPES, 2000)

Conseguir o material de maquiagem para o ator que interpretaria o monstro parecia ser uma solução engenhosa e razoavelmente simples de ser executada. Após peregrinar pela cidade, recolhendo os cabelos cortados nos salões, Laurêncio percebe o surgimento de outro problema: como fazer e o que usar para fixar os cabelos no corpo do ator que interpretaria o monstro? Nunca é demais lembrar que a tônica das produções cinematográficas acreanas aproximavam-se do preceito glauberiano: "Câmera na mão, baixo custo de produção, para mostrar o verdadeiro gesto do homem" (ROCHA, 1963, 104), apesar de não ser o Cinema Novo a fonte de inspiração desses jovens cineastas. Novamente o improviso e a engenhosidade na solução desse novo desafio: usaram cola branca para fixar os cabelos conseguidos nos salões no corpo do ator. Após os cabelos serem devidamente colados no corpo do ator que interpretaria o monstro, surgiu a questão do transporte, já que as cenas deveriam ser necessariamente gravadas em uma região de mata, para expressar um maior realismo. A saída encontrada foi a de transportar o ator no fusca de um dos amigos que sempre colaboravam nestas horas, contudo, outra questão inesperada atrapalha os planos, como relembra Laurêncio Lopes (2000): "Mas como o dono do fusca não queria que entrasse o rapaz no fusca, pois ia infestar o fusca de cabelo, nós fizemos a maquiagem do cara lá fora e colocamos na frente do carro, do fusca, ele com os pés no para-choque e saiu aquele monstro no meio da estrada. O fusca indo e aquele monstro feio na frente".

O resultado imediato desta solução encontrada pelo cineasta foi a algazarra e a festa que a criançada fazia por onde o carro passasse: "E as crianças que estavam na beira da estrada, aos gritos, com medo". (LOPES, 2000). Mas os problemas não findaram por aí. A solução da cola, que a princípio parecia prefeita, começava também a demonstrar que aquela não era a saída ideal: "E quando chegamos lá, nas primeiras cenas, a cola não deu certo, porque estava caído alguns cabelos, mas a gente 'tava' vendo. Pegamos outro monte de cabelos, pegamos uma cola mais rigorosa e tocamos no cara. Entupimos o cara de cabelo" (LOPES, 2000).

A falta de recursos, aliada ao pouco conhecimento da arte de maquiagem para cinema e a opção por usar fardos de cabelos recolhidos dos salões da cidade, sem o devido tratamento, trouxe uma consequência imprevista para o ator que interpretava o monstro: "O cara criou uma curuba . O cara não conseguia tirar o cabelo. Foi muito feio. Deu curuba no cara todo. Essa cola fez mal pro cara. Também eu não conseguia tirar do corpo do cara" (LOPES, 2000).

Mesmo quando não aparecia no plano, o monstro, a pedido do diretor, deveria ficar rondando o acampamento onde estavam os mocinhos do enredo. Essa instrução ocasiona outro incidente, como nos relata Laurêncio Lopes: "Pois bem, as pessoas lá pensando que o monstro era de verdade mesmo, correndo no meio do mato, chegou um cidadão querendo atirar no macaco [no ator], pensando que era um monstro, só que o cara já estava dentro do mato. E nós gritamos: ei, ei, ei! É um homem, é um homem, é uma filmagem"! (LOPES, 2000)

Desfeita a confusão, Laurêncio retoma as filmagens e para dar ênfase ao suspense, o monstro não aparece nas cenas iniciais do filme, mas deveria deixar claro para o espectador que ele estava rondando o acampamento e poderia surgir a qualquer momento e, no intento de conseguir esse efeito, o diretor determina que, mesmo fora de cena, o monstro deveria continuar gritando e rugindo. Porém, relembra Laurêncio Lopes o ator que interpretava o monstro se empolgou mais que o necessário ao gritar e rugir, o resultado foi desastroso: "Então, o cara talvez sem experiência, o cara gritava direto: ahhh! ahhh! O cara nos gritos, ele perdeu a voz. Ele passou um mês sem voz, não falava nada"! (LOPES, 2000)
Além de ficar afônico durante um mês e com o corpo coberto de feridas devido a alergia da cola e dos cabelos em seu corpo, o ator que interpretou o monstro teve febre alta como consequência de uma tremenda insolação.

Mesmo com todos esses contratempos o filme foi concluído e apresentado na filmoteca. Segundo o próprio Laurêncio Lopes, "foi uma grande audiência" no Festival Regional de vídeo e na televisão, onde também foram exibidos os filmes Marcas e Rosinha, a rainha do sertão.

Referenciais

[Entrevista] LOPES, Laurêncio. Servidor Público, ainda atua no cinema. Produziu vários trabalhos em VHS e atualmente utiliza os formatos digitais. É mais conhecido pelo seu pseudônimo Lapys. A entrevista foi cedida na filmoteca acreana ao autor. Rio Branco -Acre, 14 de janeiro de 2000.

*Professor do curso de História da Ufac e doutorando em História Social pelo Dinter USP-UFAC

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Tá rindo de que?


Duas charges sobre Santa Maria mostram como chargistas podem ser brilhantes ou infames perante tragédias.

Paulo Nogueira*

No blog, Noblat acrescentou a palavra "humor" a essa charge de Caruso

No blog, Noblat acrescentou a palavra “humor” a essa charge de Caruso

Fazer charge num drama como o de Santa Maria é uma tarefa para poucos.

É fácil fazer bobagem, e é difícil fazer coisa boa.

Na tragédia de Santa Maria, tivemos as duas situações. O cartunista Carlos Latuff, que se celebrizou no Brasil há  pouco tempo depois de ser acusado de antissemita, brilhou.

Latuff ironizou o abominável comportamento da mídia diante de calamidades como a da casa noturna Kiss. 
Um repórter tenta extrair palavras de um familiar da vítima no enterro, numa exploração abjeta da dor alheia.

Clap, clap, clap. De pé.

Latuff deu voz a milhões de brasileiros que somaram à tristeza pelas centenas de mortes a indignação pela atitude de jornalistas que não respeitam a dor alheia e simulam, como canastrões, uma dor que não sentem.

O lado B veio com Chico Caruso, no Globo. Ele fez uma prisão em chamas, na qual ardem as pessoas ali dentro e da qual se exala uma fumaça sinistra. Dilma, sempre Dilma, observa de longe e exclama: “Santa Maria!”

Era para rir? Os leitores acharam que não. Mas viria uma segunda etapa. Numa decisão estapafurdiamente incompreensível, Ricardo Noblat republicou a charge em seu blogue com o acréscimo da palavra “humor”.
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Latuff captou o comportamento abjeto da imprensa

A reação nas redes sociais foi imediata. Caruso e Noblat foram simplesmente triturados. No próprio blogue de Noblat, habitualmente frequentado por arquiconservadores como o próprio blogueiro, os leitores manifestaram repúdio. Um deles notou que a dupla conseguiu unir petistas e antipetistas na mesma reprovação torrencial.

Noblat defendeu Chico Caruso, e sobretudo a si próprio,  em linhas antológicas: quem não gostou da charge, foi o que ele essencialmente disse depois de uma cômica interpretação do desenho,  não a entendeu. Os leitores são burros, portanto.

Tenho para mim que parte da raiva se deve ao fato de ambos estarem fortemente identificados com a Globo. Alguma coisa da rejeição que existe em boa parte da sociedade à Globo se transmite a seus funcionários.

Mas a questão vai além. É complicado, ficou claro, fazer charge decente para as Organizações Globo. A de Latuff jamais seria publicada pelo Globo. O espesso conservadorismo da empresa acaba por ceifar a possibilidade de iconoclastia, de inconformismo de cartunistas da Globo.

Se nas colunas políticas o reacionarismo nos veículos da Globo não chega a chocar, porque é esperado, na charge aparece como um estigma. De artistas se espera uma atitude diferente, mais arejada, mais provocativa.

Caruso, nos anos 1980, se destacou como um dos melhores chargistas de sua geração. Prometia mais do que entregou, é certo, mas fez uma carreira boa.

Agora, vai passar para a história como o autor da charge mais repudiada e mais infame da mídia brasileira em muitos anos —  em parte por um mau momento, em parte por carregar no peito o crachá das Organizações Globo.


* Paulo Nogueira é jornalista e está vivendo em Londres. Antes de migrar para o jornalismo digital e dirigir o site Diário do Centro do Mundo foi editor assistente da Veja, editor da Veja São Paulo, diretor de redação da Exame, diretor superintendente da Editora Abril e diretor editorial da Editora Globo



terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Sta. Maria - A maior tragédia de nossas vidas



Por Fabrício Carpinejar. "Poeta, cronista e louco pela verdade a ponto de mentir"

Morri em Santa Maria hoje. Quem não morreu? Morri na Rua dos Andradas, 1925. Numa ladeira encrespada de fumaça.
A fumaça nunca foi tão negra no Rio Grande do Sul. Nunca uma nuvem foi tão nefasta.
Nem as tempestades mais mórbidas e elétricas desejam sua companhia. Seguirá sozinha, avulsa, página arrancada de um mapa.
A fumaça corrompeu o céu para sempre. O azul é cinza, anoitecemos em 27 de janeiro de 2013.
As chamas se acalmaram às 5h30, mas a morte nunca mais será controlada.
Morri porque tenho uma filha adolescente que demora a voltar para casa.
Morri porque já entrei em uma boate pensando como sairia dali em caso de incêndio.
Morri porque prefiro ficar perto do palco para ouvir melhor a banda.
Morri porque já confundi a porta de banheiro com a de emergência.
Morri porque jamais o fogo pede desculpas quando passa.
Morri porque já fui de algum jeito todos que morreram.
Morri sufocado de excesso de morte; como acordar de novo?
O prédio não aterrissou da manhã, como um avião desgovernado na pista.
A saída era uma só e o medo vinha de todos os lados.
Os adolescentes não vão acordar na hora do almoço. Não vão se lembrar de nada. Ou entender como se distanciaram de repente do futuro.
Mais de duzentos e cinquenta jovens sem o último beijo da mãe, do pai, dos irmãos.
Os telefones ainda tocam no peito das vítimas estendidas no Ginásio Municipal.
As famílias ainda procuram suas crianças. As crianças universitárias estão eternamente no silencioso0
Ninguém tem coragem de atender e avisar o que aconteceu.
As palavras perderam o sentido.


terça-feira, 22 de janeiro de 2013

O HOMEM DAS SOCIEDADES



Professor Rubim de Aquino, autor de importantes livros didáticos de História para o ensino médio, morreu nesta quanta-feira (16) de problemas cardíacos.


Professor Rubim Aquino - Nasceu em 2 de março de 1929, na cidade do Rio de Janeiro  e falecido em 16 de janeiro de 2013 (foto: http://anovademocracia.com.br)


Mauro de Bias

Faleceu na madrugada desta quanta-feira (16) o professor de História Rubim Santos Leão de Aquino. Dedicado especialmente ao ensino médio, o pesquisador ficou conhecido nacionalmente também pelos livros didáticos que escreveu e por sua abordagem analítica sobre a História.

Entre suas obras mais importantes estão "Histórias das Sociedades - das comunidades primitivas às sociedades medievais", "Sociedade Brasileira: da crise do escravismo ao apogeu do neoliberalismo", "Sociedade Brasileira: uma história através dos movimentos sociais" e "Um tempo para não esquecer 1964-1985". (leia uma entrevista com o Professor Rubim Aquino aqui)

Além de ter atuado como professor durante muito tempo, tinha orientação marxista. Seus livros se tornaram clássicos, objetos de muitas reedições, como é o caso de "História das Sociedades". Esteve sempre engajado no ensino com uma perspectiva transformadora da sociedade, em favor de uma História que explicitasse a luta de classes e a opressão do sistema capitalista.

Militante de partidos de esquerda, como o PT e, posteriormente, o PSOL, o professor Aquino cativou ainda políticos no cenário nacional, como o deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ). “Fica um vazio, porque não haverá outro Aquino. Ele tinha uma maneira peculiar, singular de lidar com a História, e envolvia os alunos com graça, amizade, paixão, fé e militância. Vai fazer muita falta”, lamentou Chico.

Para o deputado, a maior contribuição de Aquino para o ensino de História foi popularizar uma visão analítica. “Ele era muito crítico. Eu diria ainda, de maneira simplificada, que ele traduziu Eric Hobsbawm para os jovens e para os que estavam tomando contato com a História pela primeira vez. Nunca quis se fechar na academia, foi um clássico professor de ensino médio, que atingia parcelas maiores da população”, elogiou Chico, que foi aluno de Aquino e afirmou ter escolhido cursar História graças ao professor.

O deputado ressaltou ainda a dedicação do pesquisador às pessoas. “A gente vive tempos de uma certa objetividade racionalista que beira uma frieza desumana. E disso o Aquino se ressentia muito, era uma ideia que ele não gostava”, concluiu.

Fonte:

domingo, 20 de janeiro de 2013

Atenção!




Período de matrícula

barra

O período de matrícula de alunos regulares, que não estão com matrícula trancada, compreende 3 etapas consecutivas, recomendando-se que os alunos consultem previamente o orientador sobre a escolha das disciplinas:

Pré-Matrícula do aluno
Aval do orientador
Deferimento do ministrante
21/01/2013 a 10/02/2013
11/02/2013 a 17/02/2013
18/02/2013 a 24/02/2013

Nota: Os períodos iniciam-se à 0h00min e encerram-se às 23h59min no horário de Brasília.

- Pré-matrícula do aluno: período para os alunos efetuarem suas pré-matrículas em disciplinas ou sua matrícula de acompanhamento, sendo a matrícula de acompanhamento obrigatória para o aluno que não se matricular em nenhuma disciplina. Toda ação confirmada pelo aluno, neste Sistema, gera um e-mail a si próprio como comprovante da ação executada;

- Aval do orientador: período para os orientadores avalizarem as pré-matrículas em disciplinas e aceitarem as matrículas de acompanhamento de seus orientandos. A pré-matrícula em disciplina ou solicitação de matrícula de acompanhamento não apreciada pelo respectivo orientador, neste prazo, será automaticamente aceita;

- Deferimento do ministrante: período para os ministrantes de disciplina deferirem as pré-matrículas avalizadas pelos orientadores. A pré-matrícula, avalizada pelo orientador, que não receber manifestação do ministrante da disciplina será automaticamente aceita.





quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

MEMORIAL INFAME, MAS ÚTIL




  

"Foi em 1945 que seu bisavô, corretor de terras no Paraná, resolveu comprar uma certa área e repartir entre os seis filhos. Como poderia ele saber se estes filhos gostariam de deixar o que possuíam em São Paulo, inclusive uma cerâmica onde todos trabalhavam e migrar para o Paraná? Seria uma aventura rumo ao desconhecido. Contudo, a obediência ao pai e a esperança de que poderiam viver melhor, possuindo uma terra, fez com que três dos filhos viessem primeiro. Isto sem conhecer nada. Só meu pai trouxe minha mãe e meus dois irmãos mais velhos. Minha mãe, digna de seu nome - Amélia, sabia que seu dever era acompanhar o marido. Ergueram este barraco, ao redor do qual a onça esturava e começaram a trabalhar. Só havia uma família ali por perto. Ajudaram muito meus pais e tios. Inclusive foram meus padrinhos. Foi neste rancho que eu nasci. Mais tarde meu pai fez um outro melhor onde vivemos pouco mais de dois anos. Minha mãe morreu, eu tinha três anos. Lembro-me bem do dia que ela saiu muito mal, havia abortado. Saiu no único carro que tinha em Maringá. Eu chorei. Queria ir junto, mas meu pai não deixou. Lembro da mamãe dizendo para o papai: ‘deixa Juca! Eu não vou mais voltar.’ Anos depois da morte da mamãe, meu pai casou novamente, e minha madrasta exigiu que fosse feita uma casa, e o rancho por mais que lutássemos foi derrubado"





[1] Foto álbum de família. Relato da senhora Mirtis Rezende comentando uma foto familiar. Rio Branco, 2001. In: MACHADO Rezende Tânia Mara “MIGRANTES SULISTAS; CAMINHADAS, APRENDIZADOS E A CONSTITUIÇÃO DE MODOS DE VIDA NA REGIÃO ACREANA” (1977-2000). 2001. Dissertação (Mestrado em História do Brasil) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Pernambuco, Recife.

Tânia Mara Rezende Machado[1]

Na vida acadêmica, dois tipos de documentos autobiográficos são freqüentemente solicitados dos alunos e professores: o curriculum vitae e o memorial. 

No trabalho ora apresentado trataremos do memorial. Documento que se constitui em instrumento de registro de trajetórias que se presta a diferentes finalidades. Dentre estes fins, serve como peça de qualificação em cursos de pós-graduação. Momento em que o pesquisador, deve explicitar de modo histórico, analítico e crítico acontecimentos que constituíram sua trajetória acadêmico-profissional. 

Entendemos, contudo, que a constituição identitária de um profissional se dá tanto por questões objetivas quanto subjetivas. Por esta razão, procuraremos mostrar nesse texto como origem familiar e lugar nela ocupado; nível e processo de escolarização alcançado; trabalho; relações sociais estabelecidas com terceiros; classe social; relação com a transcendência; nacionalidade/naturalidade e estado civil interferem conjuntamente com questões acadêmicas na formatação da identidade de uma pessoa. 

A perspectiva de apresentar um memorial, infame, mas útil que possa subsidiar alunos e professores na construção de memoriais que fujam ao convencional, mas, consigam explicitar aspectos objetivos e subjetivos de suas trajetórias surgiu de nossa experiência com o processo de pós graduação quando nos deparamos com a necessidade de produzir um documento dessa natureza e fomos, aos poucos, percebendo que sua principal importância foi explicitar em que momento de nossa trajetória ocorreu "a pororoca". Ou seja, o encontro de nossa história de vida, com a escolha de nosso problema de pesquisa uma vez que conforme Severino (2007), "nossa história de vida é nossa melhor referência." 

Sejam todos e todas bem vindos à infâmia!


Eu leve, eu pesada
Eu era pesada (passado)
Constitui-me pesada (contexto, historicidade)
Sabia ser pesada (consciência)
Mas eu queria ser leve (desejo)
Algumas pessoas estão me ajudando a me tornar mais leve (processo social coletivo)
Sozinha eu não seria pesada, nem me tornaria leve (também processo social coletivo)
Obrigada a todos que têm me ajudado neste processo de construção identitária.

Diga lá, meu coração
Conte as histórias das pessoas
Nas estradas dessa vida.[2]
(GONZAGUINHA, 1979)

Começo convidando o poeta Gonzaguinha e o meu coração para contar a história de minha formação. E ao contá-la, contar também a história de outras pessoas.
Como ser histórico que sou, socialmente situada, tenho em minha trajetória as marcas de outras pessoas, e, a exemplo de Sacristán (1999), entendo que o indivíduo se concebe como um alguém por muitas qualidades possíveis e por suas ações: por seu gênero e orientação sexual; pela idade; suas obras; sua história de vida; origem familiar; estado de saúde; nível escolar alcançado; trabalho; relações que mantém com os demais; classe social a que acredita pertencer; relação com a transcendência; sua língua; cor de sua pele; nacionalidade; estado civil; etc.
O modo como nos percebemos e nos sentimos em relação a essa percepção são construções cognitivas e afetivas que se apóiam em medidas muito desiguais, em cada uma dessas ou em muitas outras possíveis condições pessoais e sociais. São percepções e sentimentos que mudam no decorrer da biografia pessoal. Cada pessoa valoriza de forma singular, cada um desses atributos e circunstâncias nas quais acredita que a caracterizam.
Perdoem-me, portanto, aqueles que primam por memoriais sucintos, que se detêm a explicitar apenas aspectos acadêmicos e profissionais. Entendendo-me como síntese de múltiplas correlações históricas, sociais, econômicas, políticas e culturais, portanto, na seqüência, apresentarei parcelas muito relativas e com sinais ambíguos de uma operação bastante complexa, com resultados sempre provisórios e de difícil prova de seu resultado, por expressarem uma trajetória humana.

Vejamos o somatório:
Tânia, 3ª filha mulher de um casal pobre +
Tânia, migrante do sul para o norte +
Tânia, aluna de zona rural +
Tânia aluna trabalhadora +
Tânia, que não quer/Tânia, que quer ser professora +
Tânia, filha, irmã, esposa e mãe +
Tânia, que pretende ser pesquisadora em  currículo+
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Tânia Mara Rezende Machado


Para melhor compreensão do processo através do qual fui me forjando, passarei à descrição, análise e fundamentação de cada uma das parcelas constitutivas desta operação.

Tânia, 3ª filha mulher de um casal pobre

Sou a terceira filha mulher de um casal de agricultores pobres, nascida em Umuarama, norte do Paraná, no ano de 1969. A redundância é necessária para afirmar que ser a terceira filha mulher de um casal pobre, cuja descendência chegaria a seis filhos, e, ainda, do sexo feminino, quando já existiam duas outras filhas, não era uma boa pedida, especialmente, se considerarmos que, em se tratando de uma família do campo, a expectativa voltava-se à reprodução de mão-de-obra, preferencialmente masculina por conta da lavoura, pois, à época, ainda não se desfrutava do processo de mecanização, tão comum na atualidade. 

Por conta dessa conjuntura, certamente deixei de ter acesso a muitos bens, inclusive culturais, como, por exemplo, o acesso a uma boa escola de Educação Infantil, cursos de língua estrangeira, bons filmes e peças teatrais, entre outros. 

Filha de pais rígidos, ouvi muitos nãos e apanhei bastante, principalmente de minha mãe. Porém, também ouvi muitos sins, expressos de forma nem sempre convencional. Através de tensões autenticamente dialéticas de acatamento da autoridade de meus pais e de expressões de minha liberdade, pude colher muitos benefícios dessa relação, os quais podem ser traduzidos nos mecanismos de exercício de liberdade e autonomia a que, logo cedo, comecei a experimentar, tais como: teatralizar situações, cozinhar, escrever, desenhar e brincar. 

Simulava que era repórter, cantora internacional, sequenciando palavras sem nexo como estivesse falando em inglês. Eu também virava as pálpebras para cima e me fazia de monstro. 

Quando aprendi a ler e escrever foi uma alegria, pois eu amava escrever histórias. Então, eu construía narrativas sempre com um tom romântico ou de humor, e as ilustrava. Às vezes, faltava até papel para escrevê-las, ou julgava-o inadequado para a beleza das obras que nele seriam escritas. Lembro-me que, em certa oportunidade, vi um papel especial que na minha cabeça de criança só eram encontrados nas agências bancárias. Fiquei deslumbrada ao vê-lo. Tratava-se de um papel para computadores em que uma linha era azul claro e a outra, azul escuro. Era largo, grande, bonito, no qual seria possível fazer letras modeladas, por se assemelhar a um caderno de caligrafia. Mas como consegui-lo? 

A salvação veio através de minha irmã mais velha, Amélia, que já era adulta, trabalhava em um Banco privado, e conseguiu algumas folhas do tal papel. E eu, como forma de gratidão, escrevi uma parte da história de sua vida. A tal história girava em torno de seu relacionamento com o filho de um inimigo de papai. Inimigo este que foi seu patrão na juventude. Era uma bonita história que, certamente, daria o enredo de um bom romance, pois foi escrita com riqueza de detalhes. Outras histórias sucederam minha trajetória de “escritora”. Muitos episódios de minha vida foram narrados, muitas poesias foram escritas, especialmente em minha adolescência. E como era prazeroso aquele universo da escrita. 

Outro exemplo de exercício de liberdade era o desafio à ciência popular. E ocorria quando eu preparava pratos que combinavam alimentos, os quais normalmente eram considerados incompatíveis com tal ciência, como, por exemplo, um doce de manga com leite que preparei e distribuí pela vizinhança. Pela tarde saí a recolher as vasilhas em que havia levado o doce e perguntei: 

- Alguém passou mal? 

Como a resposta era sempre não, dizia: 

- Estão vendo! Manga com leite não faz mal. O doce era justamente de manga com leite! 

Brincar, também consiste num bom exercício de construção de interesses e valores. Como tive apenas um irmão biológico, Adriel, e, muito mais tarde, Daniel – este, por sua vez, adotivo – era com o primeiro, até pela proximidade de nossas idades, que compartilhava as brincadeiras, normalmente pesadas, como: futebol, competição de cavalgada, nado, montaria em bezerros, etc. Tudo era muito divertido e desafiador, mesmo que, por vezes, resultasse num braço quebrado, um dedo ferido ou algum hematoma. 

Estas descrições são necessárias para o entendimento do contexto sócio-familiar que permitiram as primeiras formas de socialização e, portanto, de formação, contribuindo, ainda, para a análise de como essa trajetória pode interseçar na definição do objeto de minha pesquisa de doutorado, Tratou-se da discussão, elaboração e implantação do currículo do Curso de Licenciatura em História, da Universidade Federal do Acre (UFAC), cujo processo como um todo teve início em 1996 e foi concluído em julho de 2010.

Tânia, migrante do sul para o norte

Meu pai, nascido no Estado de Minas Gerais, em 1928, já havia morado no Paraná, nos anos 60 e, por volta dos anos 70, residíamos numa região fronteiriça com o Mato Grosso do Sul, época em que resolveu migrar para o Acre com toda a família, impelido pelo sonho de não mais residir numa área de forte influência do tráfico de drogas; procurando oferecer aos filhos melhores condições de acesso à escola, e por querer possuir muitas terras para plantar milho, arroz, feijão, abóbora, criar porcos, formar pastagens e criar gado. 

Assim, em 1975, vendeu tudo o que tinha, ou seja, uma chácara e uma casa com um açougue acoplado. Com o apurado meu pai comprou uma camioneta, empreendendo viagem que se estendeu por quinze dias. Para nós, crianças, tudo era festa. Tivemos transporte e uma farta alimentação composta por carne seca e linguiça  Além de alimentos, levamos colchões e um fogão. A cada refeição, o fogão era descido e mamãe preparava a comida, enquanto tomávamos banho. Tudo pronto, a viagem continuava. Levávamos ainda, uma cachorra que à noite fazia a guarda, onde quer que dormíssemos. 

Naquela época, o Acre, Estado para onde seguíamos, não dispunha de estradas asfaltadas, o que dificultava demais a viagem. Uma verdadeira aventura. Num determinado trecho nos deparamos com setenta caminhões atolados, num dos quais até nasceu um bebê. Passamos por sete caminhões tombados, com diferentes tipos de carga. Em alguns momentos, não sabíamos onde estávamos, nem como seguir. Por duas vezes, o carro apresentou defeito mecânico, obrigando-nos a hospedagem forçada, durante seis dias, em casas de pessoas que moravam à beira da estrada. Em uma de nossas paradas, perguntaram-nos se éramos “ciganos ou gente”. Finalmente, chegamos a Rio Branco, embora a intenção fosse chegar a Sena Madureira, município localizado a 144 km daquela capital. 

Na manhã seguinte, pretendíamos seguir viagem até o destino previsto, mas enfrentamos forte resistência por parte dos guardas rodoviários, alegando que não conseguiríamos lá chegar. A despeito dos conselhos, partimos. Tentativa infrutífera, de início, pois o carro apresentou novo defeito – freio – o que nos obrigou a retornar a Rio Branco, para o devido conserto 

Providenciado o reparo mecânico, continuamos a nossa rota. Dormimos em meio a um lamaçal terrível, a dezoito quilômetros de nosso destino. Pela manhã, conseguimos prosseguir viagem, depois de recebermos ajuda e orientação de que se entrássemos de “porrada”, sairíamos. Acatando a sugestão, embora o termo “porrada” tenha-lhe causado forte impacto, prosseguiu, com os olhos arregalados pelo palavrão. 

Tudo parecia estar chegando ao fim. Porém, adiante, para nossa surpresa, soubemos que não havia como chegar a Sena Madureira, pois não existia ponte sobre o rio Iaco. E no mês de abril, época em que chegamos, também não havia balsa. Então nos cederam um rancho para ficarmos, até que houvesse condições climáticas de prosseguir. 

Certos de que teríamos que ficar por ali algum tempo, minhas duas irmãs mais velhas foram morar em Sena Madureira, uma na casa de um tio e a outra na de um senhor, conterrâneo nosso. Eu estava em fase de alfabetização e comecei a estudar numa escola rural, tendo minha mãe como professora. Os dois irmãos menores ainda não estudavam. 

O tempo foi passando e fomos nos acostumando com a Região. Meses depois, papai trocou a camioneta por uma colônia[3] de 270 hectares, distante sete quilômetros de Sena Madureira. Nesse lugar, começamos a nossa vida no Acre. Lembro-me de cada palmo daquele chão, das brincadeiras no açude, de como papai demarcou a área em que poderíamos ir sem risco de afogamento, das pescarias, do trabalho na roça, da alimentação, das noites de luar sem energia elétrica e tantas outras coisas. 

A primeira compra de porcos não prometia muito. A mulher, em cuja canoa fazíamos a travessia do rio, profetizou logo: “estes porcos vão morrer no quintal de vocês, tamanho o estado de subnutrição”. Isso, no entanto, não aconteceu e, logo, com o dinheiro da venda de suas crias, foi possível adquirirmos nossas primeiras cinco vacas. 

Meu pai estranhava a forma como os trabalhadores acreanos colhiam arroz, cachinho por cachinho; e também o fato de eles andarem montados em bois e não em cavalos. Com o tempo, foi percebendo que a colheita do arroz era feita daquela forma em função do clima e que andavam montados em bois, por serem animais mais resistentes à lama. Logo, aderimos às práticas através de um rico processo de interpenetração cultural. 

Mais tarde, quando já havíamos concluído o ensino fundamental, nós mulheres, viemos para Rio Branco onde continuei meus estudos e, inclusive mamãe, aos 44 anos, iniciou sua faculdade. 

Meu pai e meu irmão permaneceram em Sena Madureira como forma de resistência aos modos de vida da cidade grande. Consideravam que a vinda para a Capital representaria o que Kowarick (apud SADER, 1988, p. 93) denominou “perda de propriedades cognitivas”. 

Descrever tais situações se faz necessário para dizer que este foi um dos elementos que, ao lado de outros, como, por exemplo, a tentativa de introduzir um viés também cultural à historiografia acreana no tocante às migrações, mais tarde me sensibilizaram a produzir, como dissertação de mestrado, uma história sobre a cultura e as experiências sociais de migrantes trabalhadores rurais nos Projetos de Assentamentos Dirigidos (PAD) do Acre, e para dizer que histórias semelhantes estão na memória de muitos migrantes do Centro-Sul. No entanto, parte da historiografia acreana prefere homogeneizá-la ao enfocar apenas os aspectos econômicos daquela migração, contribuindo ainda para estabelecer o lugar social de onde parto como pessoa e também como pesquisadora. 

Tânia, aluna de zona rural + Tânia, aluna trabalhadora

Todo o primeiro segmento do Ensino Fundamental, cursei na zona rural do município acreano de Sena Madureira, no período de 1976 a 1980, numa escola denominada Padre Egídio Rovolon, que contava com uma sala de aula apenas e uma única professora. Naquele espaço, eram atendidos, através de um currículo multisseriado, 36 alunos de diferentes idades e níveis. A professora era minha mãe, que, na época, não tinha formação completa nem mesmo em nível médio, tampouco habilitação para o Magistério. Ela organizou o currículo partindo do princípio de que o aluno da zona rural devia ler e escrever bem, além de dominar as quatro operações básicas para poderem calcular área, uma vez que, movidos pelo slogan “investir no Acre, produzir no Acre e exportar pelo Pacífico”, muitos empresários do Centro-Sul para lá migraram para investir, principalmente na pecuária. Outros foram apenas especular com foco nas terras acreanas. Outros também arriscaram, mas em situações distintas como ocorreu com os trabalhadores rurais, a exemplo de meu pai. 

O governador do Acre, Wanderley Dantas, cujo mandato foi de 1971 a 1974, teve sua gestão conhecida na história daquele Estado como o governo que abriu as porteiras do Acre para os paulistas. Ele pretendia ter na pecuária a linha mestre para o desenvolvimento do Estado, o que contribuiu para que o fenômeno da pecuarização se propagasse rapidamente nas terras acreanas, antes ocupadas e organizadas em função do extrativismo vegetal, cedendo, gradativamente, lugar às fazendas. Consideráveis partes das florestas foram devastadas e transformadas em grandes pastagens, destinadas à pecuária bovina para o corte. 

Com a pecuarização, o extrativismo, que já entrara em crise devido ao corte dos incentivos governamentais para sua produção e pelo fato de outros centros terem passado a produzir borracha de melhor qualidade e em maior escala, retraiu-se, transformando a paisagem geográfica. 

O seringal, antiga unidade de exploração, transformou–se em sede de fazendas e, assim, ocorreram mudanças nas relações de trabalho. A estrutura social tornou–se mais diversificada. Surgiu a figura do peão, em geral assalariado temporário. Intensificaram–se os conflitos pela posse da terra entre fazendeiros do Centro-Sul e seringueiros, ribeirinhos, índios e colonos[4]

Os pais de alunos daquela comunidade faziam parte das quatro últimas categorias e, para manterem suas famílias, sujeitavam-se não só a prestar serviços a preços injustos, como serem fraudados por seus patrões nos cômputos relativos aos cálculos das áreas derrubadas, por falta de conhecimentos matemáticos.[5]
Diante da situação de exploração que se criou, a professora leiga que, no dizer de Paulo Freire (1921-1997) fazia uma leitura daquele mundo, percebera que uma educação matemática libertadora pautar-se-ia, primeiramente, no pleno domínio das quatro operações. 

Outras competências matemáticas eram requeridas naquele contexto, como, por exemplo, cálculos de juros, porcentagens e regra de três, uma vez que era também uma prática a colheita de cereais e a criação de suínos, caprinos e, em menor quantidade, de bovinos, estabelecendo acordos entre os colonos que realizavam essas operações. 

O domínio do cálculo de juros era necessário porque o Banco da Amazônia, à época, realizava financiamentos aos pequenos agricultores e eram cobrados juros sobre o capital emprestado. 

Este conjunto de conteúdos matemáticos de caráter conceitual e procedimental, no dizer de Zabala (1998), atrelava-se uma carga significativa de conteúdos de cunho atitudinal, quando, por exemplo, a professora fazia incisivos discursos sobre a finalidade daquele conteúdo transmitido e sua devida aplicação. 

Sobre o fato de se portar com seriedade, não se pode considerar um comportamento apenas daquela professora, pois, segundo Larrosa (1999, p.170-171), em pedagogia, há de se rir pouco. O autor diz não se recordar de nenhum assobio na literatura pedagógica, e questiona: “Vocês podem imaginar um livro de Pedagogia em que o autor deixa, por um momento, de deitar moral, de argumentar, de propor, de dogmatizar, de criticar e se põe a assobiar”? 

Diante da seriedade da professora, do conteúdo, da escola e de tudo que nos cercava, nós nos dedicávamos a aprender o conteúdo sem a maturidade e autonomia cognitiva para perceber que aquela forma de seleção de conteúdos adotada pela professora, apesar de coerente com o contexto vivido não seria suficiente para o enfrentamento de situações de aprendizagem futuras em que necessitaríamos de muito mais que a base oferecida. Sobre a adoção desse paradigma curricular, pela professora, talvez por ser leiga, seu progressivismo se fazia muito discreto na medida em que: “A professora progressista ensina os conteúdos de sua disciplina com rigor e com rigor cobra a produção dos educandos, mas não esconde sua opção política na neutralidade impossível de seu que - fazer” (FREIRE, 2000, p. 44). 

Ou ainda: 
A educadora progressista não se permite a dúvida em torno do direito de um lado, que os meninos e meninas do povo têm que saber a mesma matemática, a mesma física, a mesma biologia que os meninos e as meninas das ‘zonas felizes’ da cidade aprendem, mas, de outro, jamais aceita que o ensino de não importa qual conteúdo possa dar-se alheado da análise crítica de como funciona a sociedade (FREIRE, 2000, p. 44, grifo meu). 
Caberia, portanto, àquela professora não só o rigor pedagógico no ensino e avaliação dos conteúdos, mas maior criticidade do funcionamento da sociedade/ comunidade imediata a qual pertencíamos, aliada, também, à criticidade da sociedade mais ampla. 

Mas, como avaliar a postura daquela professora quanto ao fato de ser ou não progressista se o currículo escolar se constitui sempre numa seleção, e, para completar como já destacamos, ela não tinha uma formação para a docência. 

Neste sentido, o que selecionar primeiro? 

Para Sacristán (1999), lógico é que os sujeitos se aproximem da grande rede, partindo de seu sistema cultural, com base na zona em que estão situados; de outra forma, dificilmente, poderiam compreender o significado da grande rede. 

Era preciso, portanto, que a professora nos incluísse na grande rede o mais rapidamente possível. Assim, nos permitiria ariscar caminhos por zonas e redes distantes de nosso território. 

Ainda com base nas percepções deste autor, uma atitude regionalista, em educação, pode ser uma primeira base nutriente, se o sistema aberto de cada cultura for rico. Limitar-se a ele não é recomendável em caso algum, mas seria suicida quando nesse lócus da grande rede não exista potencialidade para enriquecer-se e poder acessar as linhas que amplie o nosso horizonte. Seria insensato deixar de reconhecer possibilidades de ampliação na rede de comunicações por professar culto à pequena pátria cultural. (SACRISTÁN, 1999, p. 183). 

Situação que se confirmou em minha formação, tão logo vivenciei, na 5ª. série do Ensino Fundamental, as dificuldades para resolver equações que envolviam não apenas algarismos, mas também letras. Desvelaram-se também ausência de conteúdos universais, advindos de áreas menosprezadas naquela organização curricular como conceitos básicos de Geografia e História. Confirmando as análises de Freire (1997, p. 139) quanto à relação entre o particular e o universal ao destacar que 

quanto mais se pulverize a totalidade de uma área em ‘comunidades locais’, nos trabalhos de ‘desenvolvimento de comunidade’, sem que estas comunidades sejam estudadas como totalidades em si, que são parcialidades de outra totalidade (área, região, etc.) que por sua vez, é parcialidade de uma totalidade maior (o país, como parcialidade da totalidade continental), tanto mais se intensifica a alienação. E, quanto mais alienados, mais fácil dividi-los e mantê-los divididos. 

Estas análises, relativas ao paradigma curricular imprimido em minha primeira etapa de escolarização, foram realizadas anos depois, quando cursei Pedagogia e tive minhas primeiras aproximações, ainda bastante superficiais, é bem verdade, com o campo do currículo, posto tratar-se de experiência vivenciada por uma jovem acadêmica, deslumbrada com a educação, embora com aparato teórico-científico ainda restrito. 

O segundo segmento do Ensino Fundamental eu cursei no Grupo Escolar Eliziário Távora, no município de Sena Madureira/Acre, nos anos de 1981 a 1984. Vivíamos o movimento das Diretas Já e a abertura política. No Acre, especialmente em Sena Madureira, continuávamos isolados, sem estrada asfaltada e sem uma ponte sobre o rio que atravessa a cidade. 

No campo educacional, a maioria dos professores não possuía curso superior, apenas o Curso do Magistério, em nível de Ensino Médio, o que de certo modo os desqualificava para a docência, que repercutia no aproveitamento dos alunos. Tive muitas dificuldades para concluir o meu antigo Ginásio, pois, além das questões relativas à formação dos professores, pelo fato de haver cursado o primário na zona rural, através do ensino multisseriado, eu estranhava a forma de organização curricular da cidade, o enfoque dado aos conteúdos, especialmente os de Matemática que me pareciam demasiadamente abstratos. 

Aliado a esses entraves, somava-se o fato de que, além de ajudar nos trabalhos domésticos, para aumentar a renda familiar eu vendia pães e bolinhos nas ruas e repartições públicas da cidade, quando saía da aula. Foi minha atribuição até os 12 anos de idade, ocasião em que fui substituída por minha irmã mais nova. Mesmo assim meu tempo para estudos extraclasse continuou muito reduzido, já que as demandas domésticas eram imensas, contudo, terminei o Ensino Fundamental sem nenhuma reprovação.

Tânia que não quer / Tânia que quer ser professora     

Entendo que a identidade profissional não se constrói de forma rápida e nem definitiva. Permito-me descrever e analisar minha trajetória de formação profissional, a partir do Ensino Médio, fase de escolarização complexa em que começamos a definir o rumo profissional a ser trilhado. 
Começo, portanto, descrevendo como se deu minha escolha pelo curso que faria no Ensino Médio: Formação Integral. 

Estávamos no ano de 1985. O Brasil experimentava a abertura política e no Acre acirravam-se os movimentos sociais de trabalhadores rurais. Em Sena Madureira, havia somente uma escola de Ensino Médio, denominada Dom Júlio Matiole, que só oferecia o curso de Magistério. Porém, naquele ano passou a oferecer, também, o curso de Formação Integral. 
Pelo fato de já ter na família minha mãe e uma irmã professoras, isso me permitiu, ainda que à distância, acompanhar os desafios de seus cotidianos. Então, eu não me sentia motivada a me tornar professora e, deste modo, optei por cursar a Formação Integral. 

Terminado o Ensino Médio, a ideia era cursar Comunicação Social ou Direito. Entretanto, o primeiro não existia no Estado e cursar o segundo significava vencer uma concorrência enorme para uma aluna com a minha trajetória de formação. Em julho de 1989, a UFAC, através de um Programa de Interiorização que visava qualificar professores do interior do Estado, abriu um processo seletivo de vestibular em alguns de seus núcleos. 

Para o município de Xapuri,[6] depois de estudos relativos às demandas apresentadas pela comunidade, foi oferecido o Curso de Pedagogia, com 80% das vagas destinadas ao atendimento de professores das redes municipal e estadual de ensino. Como havia um pequeno percentual de vagas que poderiam ser pleiteadas pela comunidade, eu concorri a uma daquelas vagas e fui classificada. 

No primeiro semestre do curso, eu me sentia completamente alheia ao que se discutia, por não estabelecer nenhum vínculo com o que fizera no Ensino Médio, nem com minha profissão de bancária, à época. 
Nas aulas de Sociologia, ao ser questionada pelo professor sobre o meu entendimento de massa, não relutei em apresentar um conceito advindo da Química, o que foi motivo de riso por parte do professor, seguido de um conselho, para que eu desistisse do curso de Pedagogia e frequentasse o Curso de Química, que, aliás, também não tínhamos no Estado do Acre. 

Nos semestres que se seguiram, fui me familiarizando com o curso e a cada nova disciplina me identificava, traçando planos para deixar o Banco do Estado do Acre (BANACRE), onde trabalhava, para prestar concurso na área da Educação. Foi o que fiz. Mesmo antes de terminar o curso, prestei concurso para a Secretaria Estadual de Educação e fui aprovada. Em princípio, conciliei as atividades do Banco com a docência. No entanto, a identificação com a Ciência da Educação foi tomando proporções e, em 1994, já havia optado por me habilitar em Administração Escolar. 

O Curso de Pedagogia, à época, respaldado na Lei Federal nº. 5.692/71, que fixava diretrizes e bases para o ensino de 1°. e 2º. graus, obedecia a uma organização curricular que oferecia três habilitações: Administração; Supervisão; e Orientação Educacional. Eu optei pela Habilitação em Administração Escolar, pois o curso se dava de modo parcelado. Por determinação do presidente do Banco em que eu trabalhava, docente do Curso de Economia da UFAC, minhas liberações do trabalho, nos períodos de aula, estavam condicionadas à escolha – Habilitação em Administração Escolar –, pois, ao término do curso, eu deveria assumir a direção da Creche Maria Moreira, mantida pelo Banco do Estado do Acre. 

Formei-me, conforme o acordo, e assumi a direção da creche. Os desafios foram muitos, vez que não tinha qualquer experiência com a Educação Infantil, tampouco com Gestão Escolar, e o mesmo ocorria com o Ensino Médio, em que também passei a lecionar, cumprindo com meu contrato junto à Secretaria Estadual de Educação ministrando três disciplinas, duas delas, Didática Aplicada aos Estudos Sociais e Filosofia da Educação, no Curso de Magistério do Instituto de Educação Lourenço Filho, e Arte, no Curso de Formação Integral do Colégio Estadual Rio Branco. 

A década de 90 foi de acirramento das políticas neoliberais, pautadas na ideologia da Globalização, com ênfase na ideia de Estado Mínimo. No Acre, a exemplo de outros Estados brasileiros, vivemos um processo extremamente perverso de fechamento das empresas estatais e de privatizações. O Banco do Estado do Acre, onde eu trabalhava, foi um dos alvos dessa política. 

No ano de 1996, depois de militar por longo período de oito anos junto ao Sindicato dos Bancários, bastante insatisfeita com os efeitos dessa política na vida de muitos trabalhadores, antes de ser demitida eu mesma pedi demissão e passei a me dedicar exclusivamente à docência nos Ensinos Básico e Superior. 

Iniciei a docência no Ensino Superior da Universidade Federal do Acre, como professora substituta de Filosofia da Educação, em 1996. E a política neoliberal era exercitada vigorosamente pelo Governo de Fernando Henrique Cardoso, impedindo através das normas trabalhistas, que o professor substituto trabalhasse por mais de um ano nessa condição, por conta do vínculo empregatício. 

Era meu “début” no Magistério Superior. Entretanto, depois de árduo trabalho e de muito empenho profissional no período de um ano letivo, que se constituiu numa experiência significativa, fui demitida sem poder fazer muito, a não ser escrever um artigo para a Gazeta local, explicitando o caráter de descartabilidade que aquela política provocava. 

Em setembro de 1997, por ocasião das comemorações da Semana da Pátria, elaborei um texto que foi publicado pelo jornal local. Houve algumas repercussões nos meios educacionais, mas não teve a força de mudar a situação, apenas nos tornou mais críticos em relação ao quadro político de sucateamento das universidades brasileiras. 

No ano seguinte, prestei novo concurso, desta feita para preencher o cargo de professora do quadro efetivo da UFAC, e fui aprovada. Até hoje exerço essa função. 

Tânia filha, irmã, esposa e mãe 

Tratar de minha condição de filha, irmã, esposa e mãe, além de ser para mim uma agradável e emocionante tarefa, evidencia aquilo que já havia anunciado no início deste memorial, isto é, entendo-me constituída/formada/em formação por múltiplas correlações. 

Tenho imenso amor pelos meus pais e a maturidade permite-me entendê-los plenamente em suas historicidades. Suas biografias me emocionam e as entendo como frutos de seus contextos. Conforme Freire (1987, p. 92) “Uma unidade epocal se caracteriza pelo conjunto de idéias, de concepções, esperanças, dúvidas, valores, desafios, em interação dialética com seus contrários”. Portanto, a época e o contexto em que me educaram forjaram suas posturas. 

Vivenciar na infância as situações descritas, talvez tenha repercutido na minha concepção pouco fetichizada da maternidade, o que me fez adiá-la. Aos 29 anos, quando me tornei mãe, assustei-me com as responsabilidades postas e com as aptidões maternais que deveria desenvolver. Eu não sabia criar um filho, amamentá-lo, não tinha palavras para falar ao seu ouvido, não havia desenvolvido um repertório de historinhas e músicas infantis. Tudo isso foi construído a duras penas. 

Ao analisar as condições de leitura e expressão cultural sobre infância em que eu protagonizava o papel de mãe, entendo melhor minha postura pouco afetiva em relação aos meus filhos. 

Chico Buarque de Holanda, na terceira estrofe da canção intitulada Minha História (Gesù Bambino), expressa uma situação em que uma prostituta tornou-se mãe e teve de fazer-se mãe. Eis o trecho: 
Quando enfim eu nasci minha mãe embrulhou-me num manto 
Me vestiu como se eu fosse assim uma espécie de santo 
Mas por não lembrar de acalantos, a pobre mulher 
Me ninava cantando cantigas de cabaré (CHICO BUARQUE, 1971). 
Certamente, não é fácil para uma prostituta tornar-se mãe, tampouco foi para mim, que desenvolvia a carreira profissional com afinco e tive de alterar a rotina e os planos em prol de uma criança. Isto sem falar que meus conhecimentos sobre infância eram parcos e foi necessário um processo de construção sócio-cultural para a maternidade. Hoje, no entanto, reconheço que boa parte de minha humanização deve-se à maternidade. Meus filhos, Caio e Luíza constituem-se, em grande medida, minha formação continuada e permanente. 

Como irmã, tenho sido companheira carinhosa e firme em minhas posições, porém, flexível, quando necessário. Sempre incentivei meus irmãos a se escolarizarem, por acreditar seja esta uma das principais condições de emancipação. Eu auxiliei na formação de todos que quiseram enveredar por esse caminho, principalmente minha mãe, a quem incentivei não apenas a frequentar o curso superior de Pedagogia, paralelamente ao meu, como, posteriormente, cursar pós-graduação, ocasião em que, humildemente, fui sua professora, invertendo papéis sociais de décadas atrás, em que eu fora sua aluna. 

Em novembro de 2003, quando perdi minha irmã caçula, a mais próxima em idade e em amizade, cúmplice e companheira de todas as horas, pude constatar que a vida nos reserva muitos ensinamentos, inclusive nos momentos trágicos. Minha jovem irmã cometeu suicídio, aos 28 anos de idade, por não suportar o mal-estar social desses tempos, ainda que dispusesse de um carro, de um emprego, de um celular, de um diploma de curso superior, de um bom currículo e, infelizmente, de um revólver. Nesse momento, eu tive a nítida sensação de impotência, que abalaram profundamente meus valores e verdades. 

Mas, de um modo ou de outro, a vida deve continuar, e, enquanto esposa, percebo o casamento como um espaço para o exercício de humanização, no qual as riquezas e as misérias humanas vêm à tona na forma mais desvelada possível, amalgamados pelo amor, cumplicidade e companheirismo, sentimentos que devem estar presentes na construção de uma relação que, numa época de apavorantes instabilidades, ainda me propicia certa segurança. Getúlio Moreno, meu companheiro, também tem sido parte de minha formação continuada e permanente.

Tânia que quer ser pesquisadora em currículo

A década de 90 foi fértil no que se refere às reformulações curriculares em todos os níveis de ensino. Eu trabalhava na Universidade Federal do Acre, em cursos de formação de professores e participava de colegiados de cursos, espaços acadêmicos nos quais as discussões em torno dessas reformulações eram intensas. Interessei-me pela questão, culminando com um projeto de pesquisa que visava à análise do processo de elaboração do novo currículo do Curso de Licenciatura em História da UFAC, a partir das determinações legais e das relações institucionais. 

Mas tarde, com o amadurecimento da pesquisa, o foco configurou-se como a análise do processo de reformulação do referido currículo com ênfase na identificação dos aspectos normativos e da cultura institucional que se manifestaram em mecanismos de poder e resistência ao acolhimento do currículo instituído e no forjar do instituinte, pesquisa que ora se apresenta. 

Frente ao exposto neste memorial, eu não posso dizer que já nasci curriculista, todavia, muito cedo, comecei a questionar a formação que tive. Seja analisando o currículo da escola rural onde estudei, seja analisando os enfoques contemplados nas avaliações às quais outrora fora submetida, nas séries finais do Ensino Fundamental, bem como daqueles que eu imprimia através da elaboração de novas questões, na esperança de serem consideradas pelos meus professores. Ou, ainda, através das resistências às formas de ensinar Matemática, Química, Física e Biologia ou dos constantes questionamentos quanto à organização das carteiras em fileiras nas salas de aula que não permitiam o diálogo. 

Mais tarde, passaria a analisar, também, a forma como o novo currículo do Curso de Licenciatura em História da UFAC vinha sendo organizado. As ambiguidades e incoerências percebidas no processo impulsionaram-me à concepção de que o campo do currículo no Acre, especialmente o currículo do curso de Licenciatura em História, estava a requerer estudos aprofundados que relacionassem sua origem, identidades curriculares assumidas em diferentes momentos históricos e perfis formativos constituídos ao longo dos anos, opção que persegui ao prestar exame de seleção para o Programa em Educação: Currículo da PUC/SP, em 2006, instituição acadêmica de longa trajetória na formação de quadros profissionais de distintos estados brasileiros, reconhecida pela significativa produção científica em diversas áreas do conhecimento e sólido compromisso com a inclusão. 

Esta instituição acolheu-me e reforçou sua contribuição com a formação de profissionais da Educação ao qualificar, em nível de doutorado, a primeira doutora em Currículo do Estado do Acre. Esta formação me permitirá contribuir com a educação do Acre, Estado que me recebeu ainda na infância e nele tenho constituído uma carreira profissional.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei Federal nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa diretrizes e bases para o ensino de 1°. e 2º. graus, e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 12 jul. 2008. 

CHICO BUARQUE. Minha história. Versão livre do original Gesù Bambino, de Lucio Dalla e Paola Pallotino. In: CHICO BUARQUE. Construção. Rio de Janeiro: Philips, 1971. 1 Long-Play. 

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, 17ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987. 

______. Cartas a Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. 

______. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: UNESP, 2000. 

GONZAGUINHA. Diga lá, coração. In: GONZAGUINHA. Gonzaguinha da vida. São Paulo: EMI-Odeon, 1979. 1 Long-play. 

LARROSA, Jorge. Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas, tradução por Alfredo Veiga Neto. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. 

SACRISTÁN, J. Gimeno. Poderes Instáveis em educação. Tradução por Beatriz Affonso Neves. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999. 

SADER, Eder. Quando novos personagens entram em cena: experiência, falas e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo, 1970-80. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. 

ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: ArtMed, 1998.



[1] Doutora pelo Programa em Educação: Currículo, da PUC/SP; Professora da Universidade Federal do Acre - UFAC.
[2] Trecho da segunda estrofe da música “Diga lá, meu coração” de autoria do cantor e compositor brasileiro, Gonzaguinha.
[3] Colônia, no Acre, significa uma propriedade rural de proporção relativamente pequena se comparada às grandes fazendas.
[4]    Colono, no Acre, é o proprietário ou  residente numa colônia (propriedade pequena sem grandes benfeitorias).
[5] Cumpre destacar que tal processo não foi tranqüilo. Movimentos de resistências foram forjados, sendo os empates os mais conhecidos. Sobre esses movimentos, consultar Souza (1996).
[6] Xapuri é um município do Estado do Acre, conhecido mundialmente por ser a terra de Chico Mendes, ecologista e líder sindical de trabalhadores rurais, situado a pouco mais de 100 km da Capital, Rio Branco.

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